Tema IV - O planejamento e a organização do pensamento antes da escrita



I - Alcançando uma visão sobre o mundo

No tema anterior, fiz uma introdução da dinâmica que pretendo seguir na minha exposição sobre as técnicas redacionais, sobretudo com o enfoque de entendê-las a partir do que elas significam, e não apenas do para que elas servem. Nesse sentido, acredito, poderemos alcançar uma compreensão maior não somente do exercício de se fazer uma redação, mas também da importância que o texto escrito tem para o modo como formamos hoje nossa própria cultura e personalidade.
A redação é, em princípio, um texto em que se exige uma reunião sistemática de certas imagens, ideias e opiniões acerca do mundo que nos cerca, a partir de um dado tema. Disto se deduz que para podermos escrever bem sobre um determinado tema, precisamos antes ter em mente qual a linha de raciocínio que seguiremos, aquilo que dá ao que escrevemos a sua unidade, coerência e clareza. Esta linha de raciocínio é costumeiramente chamada nos livros de Tese, e a Tese precisa ser exposta por meio de um método, que em sua etimologia quer dizer 'caminho', 'trajeto'. Neste caso, sem um método de escrita não conseguiremos expor tese alguma, do mesmo modo que uma tese sem método acaba bastante confusa. Mas o método e a tese não são tudo: de nada nos serviria, por exemplo, a receita de um bolo se não soubéssemos como obter os ingredientes para fazê-lo. Se a nossa analogia estiver certa, podemos chamar a receita do bolo de método, os ingredientes de ideias e opiniões, e o bolo almejado de tese, no que a redação final será o bolo feito. Voltaremos ao problema do método e da tese mais à frente. Devemos primeiro enfocar o modo como podemos obter os ingredientes para fazer uma boa redação.
Como obtemos boas ideias e opiniões? Naturalmente, por meio de uma posição crítica sobre o mundo e os assuntos que lhe dizem respeito. Para alcançarmos esta visão crítica do mundo, precisamos receber o que nos é dito a partir do lugar em que ele é dito - ou seja, precisamos entender que tudo que nos chega como informação deve ser aceite a partir da consciência que temos de quem está falando. Por exemplo, se vemos uma notícia de televisão sobre um fato, não nos basta aceitá-la como mero meio de informação sobre o fato ocorrido. É preciso entender que a televisão só poderá nos oferecer a sua visão do fato ocorrido - visão que será limitada pelos meios que a televisão dispõe para conferir e repassar a notícia, pelos objetivos de determinar quem ela visa "informar" e quem ela visa "atacar", pelos interesses financeiros e culturais que ela possui em repassá-la, pelo tempo que há disponível na sua programação e que determina quanto tempo a notícia terá, etc. Este tipo de compreensão sobre um simples fato do nosso dia a dia (ver notícias na televisão) já nos mostra a capacidade que podemos desenvolver em olhar criticamente o mundo. Um acúmulo diário deste processo crítico é sem dúvidas o primeiro passo para realizar uma boa redação.
Quem não está acostumado a olhar criticamente o mundo a sua volta, vai sentir certa dificuldade para lidar com o exercício da escrita de redações. No entanto, esse tipo de olhar no nosso dia a dia é mais comum do que possamos imaginar, e só precisamos desenvolvê-lo para assuntos mais costumeiramente presentes em vestibulares. Um adolescente, por exemplo, quase sempre olha criticamente a informação ou opinião que sua mãe ou pai lhe expõe se esta não estiver de acordo com as suas próprias informações ou opiniões. Uma frase como "seus amigos não prestam" pode ser na mesma hora entendida como "minha mãe não sabe do que fala porque ela não os conhece". Esse tipo de raciocínio é comum, e quase sempre é o modo como lidamos com certos desconfortos em nosso dia a dia. E é justamente esse tipo de raciocínio que precisamos fazer, principalmente sobre o que acontece na sociedade, porque são os fatos sociais que farão parte dos temas de redação.
Um exercício prático: tente pensar em quais seriam os interesses daquela fonte de informação que lhe chega - televisão, jornais, entrevistas, livros didáticos, etc. - e de que maneira aquilo poderia ser ampliado por outras fontes. Se um jornal noticia como absurdo um caso de agressão de um jornalista em meio a uma festa, por exemplo, é sempre bom termos em mente qual o interesse que aquele jornal tem em publicar aquela informação daquele jeito - ou seja, em dizer que é um caso absurdo, sem levar em consideração o que poderia ter provocado o caso, sem ouvir ou dar espaço a outras testemunhas diferentes das jornalísticas, investigar os antecedentes daquele repórter, etc. Nunca todas as situações sobre um fato nos serão acessíveis, mas podemos desconfiar que aquilo que nos dizem a respeito delas seja limitado por interesses em jogo. Ter consciência disso é imprescindível para se fazer uma boa redação.


II - O método

Dissemos que para se fazer o bolo, o objetivo final de uma dona de casa ou de um confeiteiro, por exemplo, é preciso ter acesso tanto à receita quanto aos ingredientes que ela pede. Assim também a redação. Precisamos ter em mente que antes de qualquer escrita, aquilo que se vai dizer deve estar bem planejado na cabeça; caso contrário, o texto resultará bastante confuso. Para se ter ideia do que se vai dizer, é preciso então ler o tema que a banca oferece e procurar saber, dentro dele, qual a ideia que defenderemos.
Antes de entrarmos nesta questão, precisamos entender que tipo de texto nos será pedido em uma prova de vestibular - quase sempre será um texto dissertativo-argumentativo, ou seja, um texto que exigirá do aluno não uma mera exposição dos fatos e das opiniões sobre eles, mas exigirá uma apresentação de um ponto de vista, de uma opinião formada pelo próprio aluno. Nesse sentido, dissertar, que é expor algum assunto de modo organizado e coerente, ganha o apelo da argumentação - isto é, da defesa do ponto de vista que se vai apresentar. Se o texto fosse meramente expositivo não haveria necessidade da argumentação, mas no caso dos vestibulares essa necessidade é imprescindível.
Portanto, temos que o texto que será exigido do aluno é um texto em que ele não somente apresente o tema proposto pela banca, bem como as opiniões que giram em torno a ele, mas também será exigido do aluno um posicionamento em relação ao que foi oferecido como tema. Em um texto dissertativo-argumentativo, os passos a serem seguidos são estes: (a) uma introdução, onde o aluno precisará deixar claro qual é o posicionamento dentro do tema que ele pretende defender ao longo da sua redação; depois (b) um desenvolvimento, a parte onde ele defenderá o seu ponto de vista, ou seja, a fase em que a argumentação é de suma importância; para enfim terminar com (c) uma conclusão, que é a retomada do seu ponto de vista, já agora bem fundamentado pela argumentação apresentada no desenvolvimento. É essa esquemática que resulta na receita do bolo pedida pelas bancas de vestibulares, e que será corrigida de acordo com a capacidade de atender ou não a cada uma dessas funções.
Veremos mais paulatinamente cada uma dessas partes e suas funções. O que é necessário mencionar aqui é que esse método, como vocês devem ter percebido, se fundamenta sobretudo no ponto de vista que o aluno terá de apresentar. É por isso que a tese é tão importante, e se deve, antes de partir para a produção do texto, pensar nela muito bem. Esse é o nosso próximo passo, que embora esteja por último, não deve de maneira alguma ser deixado para o final, mas ao contrário! É por ele que se deve começar qualquer planejamento da redação. Só o deixamos para o final para que vocês percebam a importância que ele terá para qualquer início de escrita textual - já que não podemos ter uma receita e os ingredientes se não soubermos que tipo de coisa queremos fazer, ou seja, qual o tipo do bolo. No nosso caso, a tese de nossa redação.


III - A tese

Chegamos então ao ponto principal do nosso planejamento textual. Antes de se escrever qualquer redação, precisamos pensar um pouco sobre o que iremos dizer. É muito comum o aluno se apressar em escrever, pelo nervosismo na hora da prova, pelo pouco tempo que tem e pela sensação de que se não puser tudo logo no papel, as ideias que teve se perderão. De fato, isso é possível de acontecer, mas devemos saber como pô-las no papel - de maneira alguma iniciando já a redação, mas esboçando antes, em um rascunho, os passos que deverá ser seguido, para você conseguir mostrar aquilo que pensou.
É importante que o aluno entenda que pensar em muitas coisas não o levará a lugar algum se ele não tiver um meio de organizar tudo aquilo que ele pensou em uma unidade. Nesse sentido, a tese - ou seja, o seu ponto de vista, a sua opinião sobre aquilo que a banca lhe ofereceu como tema - é a maneira mais segura de se conseguir não apenas a organização desejável, mas também a unidade e a coerência necessárias para o texto. Pensar na tese é pensar uma maneira de expor satisfatoriamente aquilo que você pensou em expor, e por isso, é o único modo de vencer, na hora da prova, aquele terrível descompasso entre o que se tem em mente e o que se acaba pondo no papel.
Bem, mas afinal como conseguir pensar em uma tese? O primeiro passo já foi dado na primeira parte deste tópico, quando falamos sobre a visão de mundo. Uma postura crítica em relação ao tema proposto pela banca é a melhor forma de se começar a pensar em uma tese. Para isso, o aluno precisa avaliar (1) o que a banca está pedindo para ele, nas frases que expressamente mostram o tema, e (2) aquilo que a banca está sugerindo como interpretação ou ponto de vista sobre a situação do tema, e que se entende a partir dos textos de apoio que acompanham a frase principal do tema. Esse duplo movimento, se feito com cuidado, pode nortear a formulação de uma tese que satisfaça não apenas às intenções da banca, mas principalmente à concepção crítica que o aluno poderá desenvolver sobre aquele assunto específico. Os resultados de uma redação como essa serão os melhores.
Bem, iremos realizar, no próximo tema, um exemplo de interpretação de dois temas do ENEM, para servir de modelo do modo como se pode produzir uma boa interpretação e uma tese que satisfaça as expectativas da banca. Vocês podem, se ainda não fizeram, realizar os dois exercícios de Tese colocados no blog. Espero que com isso eu tenha conseguido ajudar vocês a entenderem melhor o que será pedido em uma prova de redação.
Boa saúde a todos, e boa sorte!

2 comentários:

  1. Sou aluna do Cesar no PVS e fico muito feliz em saber com que tipo de profissional estou aprendendo, desse jeito eu vou longe!
    pois agora sim ficaram bem claros os aspectos de Organização de pensamento antes da escrita,com textos muito bem colocados e com palavras acessíveis ao nosso vocabulário cotidiano, parabéns!

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  2. Olá Wácila! Que bom que gostou e que te ajudou a entender melhor o que demos em aula. Fico feliz que o objetivo está sendo alcançado! Obrigado pelo comentário, e sinta-se sempre à vontade para se manifestar!

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