segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Um olho na tv, o outro no vizinho



O velho sonho de alguns poucos poderosos em dominar o restante da humanidade parece hoje estar em vias de profunda realização. Isso porque não só as riquezas se aglomeram em mãos cada vez mais reduzidas, como também os meios de controle e disseminação cultural alcançaram níveis nunca dantes imaginados. A um César romano ou a um Gengis Khan sequer ocorreria pensar nas possibilidades que as câmeras, a mídia e a internet hoje disponibilizam para quem se aprouver desses meios - para o benefício de quem mesmo? Nesse contexto, a cultura e os mecanismos de aculturação se tornam decisivos para os intentos de domínio, ou de simples mudança de comportamento, que no fim das contas não deixa de ser uma forma de domínio.
Ainda ontem, o 'Fantástico' - que de fantástico mesmo só tem o nome - apresentou uma 'reportagem' sobre a maneira como as pessoas nas ruas se comportam frente a uma situação privada, em que a mulher tenta impedir que o marido bêbado assuma a direção do carro do casal. Em dois dias de encenação, apenas três pessoas resolveram intervir na situação, e as imagens e comentários sobre inúmeros acidentes de carro, que permearam a reportagem com o intuito nada mascarado de nos sensibilizar, faziam destas três pessoas agentes de transformação social dignos de uma condecoração de cidadãos exemplares.
Exatamente: não resta dúvidas de que a finalidade da 'reportagem' global fora modificar o comportamento das pessoas, a fim de que intervenham elas mesmas como agentes de transformação social. É imprescindível que, segundo aqueles que engendraram a referida 'mensagem educativa', nosso vizinho não tema em ter de intervir em assuntos privados, e que não lhe dizem respeito, tão-somente porque ele deve pensar a partir de agora que isso lhe diz respeito sim. Se a velha propaganda boca a boca é infalível para o mercado, por que não poderíamos também, cada um de nós, exercer as funções públicas contra o desleixo social? O caso que foi apresentado, com risco de morte, serve como um caso-limite para alguns outros casos 'menos mortais' de nosso cotidiano, e que não deixam de requerer a mesma aplicação cidadã.
Na era da vigilância desmedida, os civis são convidados regularmente a exercer em seu dia a dia o papel de vigilantes, acompanhado da antiga crença de que isso é feito para o bem comum. Mas jamais devemos nos esquecer que o 'bem comum' é um eufemismo, que serve para ocultar a parcela da sociedade que realmente ganha com isso. A difícil questão está em saber quem lucra com essa mudança de comportamento na vida social. A mim, não me parece arriscado dizer quem perde: a massa que, iludida pela tv, se vê promovida de seu anonimato a uns parcos quinze minutos de fama. A fama de se comportar politicamente correta, ou antes, como querem que nos comportemos.

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